A esquerda está eufórica com a crise da Europa. Os mais animados acreditam que o capitalismo finalmente está ruindo. Foi o que se viu no Fórum Social Mundial, a tradicional festa do oprimido em Porto Alegre. Entre os discursos exaltando o triunfo da ruína, destacou-se o da presidente Dilma Rousseff: “A América Latina provou que um outro mundo é possível!”, declamou, citando o tema do evento. Delírio geral. Só faltou um intérprete para explicar que outro mundo é esse.
Uma boa pista é examinar quem são os aliados latino-americanos do governo Dilma. Entre os principais estão a Venezuela de Hugo Chávez, a Argentina de Cristina Kirchner e Cuba de Raúl e Fidel Castro. De fato, são todos personagens do outro mundo. E como seria essa grande alternativa ao capitalismo do mundo que está acabando?
Se o modelo for o próprio Brasil, algumas dúvidas se colocam. O novo sistema se financiaria só com a ditadura chinesa? Substituiria o investimento direto do capital ocidental (que morrerá) por negócios com parceiros do outro mundo, como Irã e Síria? Quais seriam as garantias fundadoras dessa nova civilização, além do populismo, da bomba atômica e do trabalho escravo?
Quem prestou atenção aos mensageiros do Fórum Social não ficará sem respostas. O assessor para assuntos internacionais de Dilma, Marco Aurélio Garcia, foi didático. Explicou que os países da Zona do Euro só sairão da encruzilhada se adotarem “a solução argentina” – conhecida cientificamente como “calote”. Nesse outro mundo possível, ninguém se aborrecerá demais com a velha mania capitalista de pagar dívidas.
Ao que tudo indica, vem aí uma espécie de Bolsa-Estado, o almoço grátis dos governantes populistas e perdulários. É o que se depreende de outra voz marcante do Fórum de Porto Alegre, o jornalista francês Bernard Cassen. Fundador do Le Monde Diplomatique, o melhor jornal de clichês antiburgueses, Cassen disse que os países europeus em crise podem gastar à vontade. “O problema é de receita”, disse. Ele também poderia ter chamado isso de “solução brasileira” – o esfolamento do contribuinte para bancar a farra estatal.
Como a Europa não tem Dnit nem Dnocs, daria até sobra de caixa.
Mas não seria arriscado para países quase quebrados continuar gastando sem cortes? De jeito nenhum. Segundo Marco Aurélio Garcia, os números do perigo são forjados – uma nova forma de “golpe de Estado” aplicado “através das agências de classificação de risco”. Só mesmo o Fórum Social Mundial para denunciar essa grande conspiração contra a bondade estatal sem limites.
Depois de saudada em Porto Alegre por essa gente do outro mundo, Dilma Rousseff, coerente, foi para Cuba. O único contratempo na doce sinfonia bolivariana é que, na ilha de Fidel, a bondade estatal prende e arrebenta (como diria o general Figueiredo). Mas, se a ditadura cubana não respeita os direitos humanos, e se não fica bem para uma líder de esquerda compactuar com isso, Dilma encontrou uma saída do outro mundo: denunciou os direitos humanos de direita.
“Não é possível fazer da política de direitos humanos só uma arma de combate político ideológico”, afirmou a presidente em Cuba. Tradução para o português: falar de direitos humanos em Cuba é servir ao imperialismo ianque. Assim, Dilma inaugurou os direitos humanos relativos.
E saiu relativizando, sem perdão: por que falar da barbárie de Fidel, se existe a barbárie de Guantánamo (o cárcere americano na ilha)? Uma lógica impecável, que inclusive limpa a barra de sanguinários como Joseph Stálin. Por que falar do genocídio stalinista, se Hitler também barbarizou do outro lado?
Impossível não notar quem Dilma levou a Cuba para assessorá-la sobre direitos humanos: ele mesmo, o consultor Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento nas horas vagas. Foi convocado porque a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, está no Detran aprendendo a não estacionar em local proibido. Mas o contribuinte não precisa se preocupar: Pimentel é caro, mas para Dilma a consultoria sai de graça.
E para quem ainda tem dúvidas se esse outro mundo é possível, basta olhar no YouTube a filha de Hugo Chávez exibindo um leque de dólares, moeda rara na Venezuela. Com a esquerda S.A. no poder, nada é impossível.
Fonte: Revista Época